quinta-feira, janeiro 06, 2005
Não posso sair de casa por causa dos meus filhos
Estava o meu médico (tutor) já a escrever a receita para a Srª MPG, quando ela desatou a chorar. Assim, de repente. Tinha entrado na consulta muito sorridente, queixando-se de uma dor ligeira, que após uma avaliação cuidada aparentava ser de origem costo-condral (um provável "mau jeito" durante a noite » muito frequente). Ficamos os dois a olhar para ela sem compreender. E ela começou a explicar, por entre ataques de choro e tentativas de sorrir para nós.
Desde que se tinha casado (+/- 25 anos) que o marido em casa fartava-se de lhe gritar, chamar nomes muito ofensivos e ultimamente tinha começado a bater-lhe (usando um cinto) acusando-a de ter um caso. Quando ia para casa temia sempre a altura em que o marido chegasse a casa. Sentia-se infeliz, mas muito envergonhada, não tendo até então arranjado coragem para falar da situação a ninguém, excepto com a sogra que lhe disse que o sogro, já falecido, tinha o mesmo comportamento. O marido não bebia e era por todos considerado extremamente simpático. O meu médico que tb era médico de família do marido confirmou essa impressão e após a Srª sair disse-me que nunca tinha desconfiado.
Estivemos a conversar bastante tempo com a SrªMPG e à medida que a conversa se ia desenrolando explicou que o único motivo porque não se separa eram os filhos. Não queria que lhes faltasse nada e por eles suportava a situação. Não me peçam para julgar a validade do motivo. Só sei que é nobre e fiquei a admirá-la mais por isso. No final ela acalmou. Acredito que o desabafo lhe fez bem melhor que o medicamento que lhe demos para as dores físicas.
Contínuo sem saber porque se abriu conosco. Será confiança no(s) médico(s), alguém que está alí para ajudar e não julgar e cujo objectivo primeiro é ajudar o seu doente? Ou será que eramos os que estavam mais "à mão"?
Desde que se tinha casado (+/- 25 anos) que o marido em casa fartava-se de lhe gritar, chamar nomes muito ofensivos e ultimamente tinha começado a bater-lhe (usando um cinto) acusando-a de ter um caso. Quando ia para casa temia sempre a altura em que o marido chegasse a casa. Sentia-se infeliz, mas muito envergonhada, não tendo até então arranjado coragem para falar da situação a ninguém, excepto com a sogra que lhe disse que o sogro, já falecido, tinha o mesmo comportamento. O marido não bebia e era por todos considerado extremamente simpático. O meu médico que tb era médico de família do marido confirmou essa impressão e após a Srª sair disse-me que nunca tinha desconfiado.
Estivemos a conversar bastante tempo com a SrªMPG e à medida que a conversa se ia desenrolando explicou que o único motivo porque não se separa eram os filhos. Não queria que lhes faltasse nada e por eles suportava a situação. Não me peçam para julgar a validade do motivo. Só sei que é nobre e fiquei a admirá-la mais por isso. No final ela acalmou. Acredito que o desabafo lhe fez bem melhor que o medicamento que lhe demos para as dores físicas.
Contínuo sem saber porque se abriu conosco. Será confiança no(s) médico(s), alguém que está alí para ajudar e não julgar e cujo objectivo primeiro é ajudar o seu doente? Ou será que eramos os que estavam mais "à mão"?
Comentários:
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Infelizmente ainda existem muitas mulheres reféns deste tipo de "machos" por causa dos filhos. Eu também acho que não devemos julgar, mas temos que pensar se o facto de os filhos terem uma mãe sujeita a tanto sofrimento (ao qual eles muitas vezes assistem "em directo") é "proporcionar-lhes tudo". Infelizmente, numa sociedade materialista e com falta de apoio social para quem "realmente" precisa, parece que sim...
Recomendo que, na próxima vez, deem os contactos da APAV - Associação Portuguesa de Apoio à Vítima - à senhora. Estão em http://www.apav.pt/home.html
Há coisas que não podem passar. Desvalorizá-las é ser conivente. Não há neutralidade possível.
Há coisas que não podem passar. Desvalorizá-las é ser conivente. Não há neutralidade possível.
Porque não confiança nos médicos? Os médicos podem desempenhar um papel muito importante nesse sentido... Mas encaminha-la para a APAV ou outra associação com os mesmos fins, pode ser benéfico, de facto...
Muito provavelmente os filhos até se apercebem! se não se dão conta dos abusos fisicos, dar-se-ao dos psicologicos, que invariavelmente( directa ou indirectamente) também vão ter a eles!
sendo eles menores é natural que a srªMPG tenha receio pelo futuro que sozinha não poderá garantir aos filhos; principalmente se ela for monetariamente dependente do marido (porque do resto já se viu q não é!); ainda assim em principio não terá que ficar preocupada porque o pai tem sempre que se encarregar dos filhos!
sendo eles maiores de idade,mas dependentes dos pais, o caso muda de figura,muito embora depois de longas idas ao tribunal e de provadas as dependencias dos filhos o pai terá que contribuir! mas é mais dificil!
continuando; acho que ela terá desabafado com o(s) médico(s) talvez por esperar que assim como receita medicamentos para as dores fisicas, também a ajudasse na dor de alma! Não acredito que fosse pelo facto de estar "mais à mão"...mas talvez uma questão de confiança, de segurança!
até sempre
sendo eles menores é natural que a srªMPG tenha receio pelo futuro que sozinha não poderá garantir aos filhos; principalmente se ela for monetariamente dependente do marido (porque do resto já se viu q não é!); ainda assim em principio não terá que ficar preocupada porque o pai tem sempre que se encarregar dos filhos!
sendo eles maiores de idade,mas dependentes dos pais, o caso muda de figura,muito embora depois de longas idas ao tribunal e de provadas as dependencias dos filhos o pai terá que contribuir! mas é mais dificil!
continuando; acho que ela terá desabafado com o(s) médico(s) talvez por esperar que assim como receita medicamentos para as dores fisicas, também a ajudasse na dor de alma! Não acredito que fosse pelo facto de estar "mais à mão"...mas talvez uma questão de confiança, de segurança!
até sempre
Quase todos os dias vejo o vosso blog e delicio-me com as vossas histórias. É a 1 vez q escrevo e tenho q vos dar os parabéns! Especialmente ao medman pela ideia fantástica e ao Francisco pela sua presença assídua. Guilty "aonde" andas?.. estou com saudades das tuas histórias!!
Agora, queria deixar um comentário sobre este triste caso, infelizmente um de MUITOS! Julgo não ter passado muitas urgências de Peq. Cirurgia sem ver casos assim... às vezes com a desculpa do tropecei, cai e bati com a cara no chão.. depois lá se levantava a camisola e havia marcas recentes e outras já antigas e em poucos minutos de conversa muitas cofessavam que, afinal, eram vítimas de agressão familiar! A maioria mulheres ainda jovens vitimas dos maridos, outras já de certa idade vítimas dos filhos!
Esforcei-me em todos estes casos por fazer a pessoa compreender que estava a ser vítima de um crime, informei todas da linha APAV e pedi a todas para apresentarem queixa ao Polícia de Serviço (à saída d serviço de urgência). Por duas vezes (em q o serviço estava mais calmo) fui eu mesma acompanhar as senhoras ao Polícia do SU. Muitos pensarão que prestei um bom serviço!! mas NÃO!! nesses dias deitei-m com o peso na consciência de não ter eu mesmo sinalizado o caso, como é OBRIGAÇÂO LEGAL de todos os cidadãos, tendo nós como agravante o facto de sermos funcionários públicos e médicos. Claro q todos pensamos no segredo profissional (que não deve ser utilizado nestes casos! Trata-se de um crime público).
Francisco, de certeza que percebes porque a senora se abriu convosco! eu acho que é ao médico que essas pessoas devem recorrer em primeiro lugar e o médico deve saber o que lhes dizer, e como as encaminhar... não é um "caso de polícia" é antes de mais um problema MEDICO-legal. Um beijo a todos.
Assinado: a outra Srª MPG ;)
Agora, queria deixar um comentário sobre este triste caso, infelizmente um de MUITOS! Julgo não ter passado muitas urgências de Peq. Cirurgia sem ver casos assim... às vezes com a desculpa do tropecei, cai e bati com a cara no chão.. depois lá se levantava a camisola e havia marcas recentes e outras já antigas e em poucos minutos de conversa muitas cofessavam que, afinal, eram vítimas de agressão familiar! A maioria mulheres ainda jovens vitimas dos maridos, outras já de certa idade vítimas dos filhos!
Esforcei-me em todos estes casos por fazer a pessoa compreender que estava a ser vítima de um crime, informei todas da linha APAV e pedi a todas para apresentarem queixa ao Polícia de Serviço (à saída d serviço de urgência). Por duas vezes (em q o serviço estava mais calmo) fui eu mesma acompanhar as senhoras ao Polícia do SU. Muitos pensarão que prestei um bom serviço!! mas NÃO!! nesses dias deitei-m com o peso na consciência de não ter eu mesmo sinalizado o caso, como é OBRIGAÇÂO LEGAL de todos os cidadãos, tendo nós como agravante o facto de sermos funcionários públicos e médicos. Claro q todos pensamos no segredo profissional (que não deve ser utilizado nestes casos! Trata-se de um crime público).
Francisco, de certeza que percebes porque a senora se abriu convosco! eu acho que é ao médico que essas pessoas devem recorrer em primeiro lugar e o médico deve saber o que lhes dizer, e como as encaminhar... não é um "caso de polícia" é antes de mais um problema MEDICO-legal. Um beijo a todos.
Assinado: a outra Srª MPG ;)
Ó outra Sra MPG. Eu estive para te telefonar para saber as implicações médico-legais. De qualquer forma o médico mandou a Srª voltar na próxima semana, para ver se ela desabafa mais um pouco e ficamos a conhecer melhor a situação. Entretanto tb lhe darei os contactos da APAV. Quanto à polícia, terá que ser ela a concordar com essa decisão, independentemente do que a lei diga. Não é por uma questão de segredo médico, mas por uma questão de que ela é que terá que viver o resto da vida com as consequências da decisão.
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