segunda-feira, novembro 22, 2004

Assassino silencioso

Agricultor reformado, 70 anos rijos e bem dispostos. Sente-se bem... A hipertensão e o colesterol não doem. Hoje tem TA de 190/100. Diz que está nervoso, que não gosta de estar no CS.
-Costumum estar bem. - diz ele - É 15/9 - 14/10.
- E tem tomado os comprimidos da tensão? - pergunto meio a medo.
-Às vezes esquece-me, sabe como é. Mas sinto-me bem dôtor - mexe os braços e a cabeça - tá a ber, tou impecável.
- Ó Homem, mas tem que tomar os comprimidos todos os dias; um de manhã e outro à noite - digo consultando a ficha. Um bloqueador beta e um IECA.
- Mas eu sinto-me bem - insiste.

Traz análises. O colesterol continua alto, glicose borderline. Recomendo-lhe exercício e dieta. Que tem de parar de beber. Comida de cozidos e grelhados. Uma hora de marcha pelo menos 3 vezes por semana. Só coisas saudáveis. (será que teria chegado aos 70?)
-Ó dôtor eu tenho na minha ideia que não é o gostozinho do bagaço que me vai fazer mal, é só um por dia. E cerveja é só de vez em quando, não é todos os dias. É aí dia-sim-dia-não, mas não é sozinha: é sempre com um bocado de presuntinho, ou com uma bifana. E o vinho é só às refeições e só com 7-up. Agora estar quéto não é comigo; eu às vezes vejo-os aí parados, horas seguidas sem se mexerem, mas eu não... não consigo estar quéto.

Insisto que tem de ter cuidado. Que tem de tomar a medicação. Que tem que fazer mais exercício e controlar a dieta. Digo-lhe que o colesterol e a tensão não doem, mas roem por dentro. Que entopem as artérias.
- A continuar assim, ainda vai ter um enfarte - aviso no tom mais proselitista que me é possível arranjar.
-Ó dôtor, um ohm (ou seria hóm?) tem de morrer!!!