quarta-feira, março 30, 2005

A vida anda às voltas

Começo esta mensagem com a recomendação da leitura deste texto, do Prof. Júlio Machado Vaz. Aqui fica um "cheirinho":

A minha vida pertence-me. Tentarei vivê-la de cabeça levantada e costas direitas até ao último instante, mesmo que para tal deva antecipá-lo. Já o disse e escrevi muitas vezes: tenho horror à hipótese de sobreviver a mim próprio.




Julho 2004 - Parque do Prater - Viena - Áustria Posted by Hello

Um comentário recente do Vaticano, refere que qualquer doente, independentemente da sua vontade, deve ser sujeito a hidratação e nutrição parentéricas para manutenção da vida. Caricato, no mínimo, vir o próprio Papa a necessitar de tal tipo de suporte. A contrapôr a esta vontade de viver, surge-nos a alegada vontade de Terri Schiavo em não ser mantida viva artificialmente.
Por cá, a Comissão Nacional de Ética para as Ciências da Vida, recomenda, que caso seja essa a vontade expressa do doente, a alimentação e hidratação artificiais possam ser suspensas a um doente em estado vegetativo persistente, mesmo que tal venha a implicar a sua morte.

Recentemente disse aqui qual a minha opinião acerca da manutenção artificial e obstinada da vida, através de cuidados médicos. Basicamente, aceito a vontade do doente. Da mesma forma que o doente tem autonomia (e é este um dos 4 princípios básicos da bioética) para escolher qual o melhor tratamento para si, aceito que o doente considere que o melhor para si é poder morrer com dignidade e não ser um mero apêndice da tecnologia da Medicina, à cabeceira do qual se tomam decisões sem o seu consentimento.

Se no caso do Papa João Paulo II não se discute a necessidade de colocar uma sonda nasogástrica para alimentação entérica, porque é essa a sua vontade, já no caso de Terri Schiavo, apenas o mais atroz fundamentalismo religioso quer obrigar a prolongar uma vida artificialmente. Já muito se disse sobre este caso (curiosamente muito mais do que sobre o parecer da Comissão Nacional de Ética para as Ciências da Vida...). Que estaria em morte cerebral, que não estaria. Que teria expresso a sua vontade, que não teria. Que deveria ser alimentada ou não. Que (pasme-se) uma vez que os pais queriam tomar conta dela, deveria ser artificalmente mantida viva... Quanto à morte cerbral, é bom de ver que não é o caso. Respira, logo o tronco cerebral está activo. Estará em estado vegetativo persistente? Ao que parece sim, como resultado de uma hipertensão intrcraneana de causa não muito "esclarecida". Alegadamente, terá expresso a sua vontade em, caso se deparasse numa situação destas, não ser mantida viva artificialmente. A confirmar-se tudo isto... caso encerrado! A vontade dos pais de "cuidar da sua filha", não pode ser respeitada, porque acima de tudo a vida e o corpo são bens pessoais e intransmissíveis.
A manutenção artificial da vida, em doentes que afirmam o contário só é justificável em filosofias que consideram a vida e o corpo humano como empréstimo divino e não como uma existência autónoma em si mesma. Esta mesma teoria, reduzida ao absurdo, implica que nunca poderemos tomar nenhuma atitude contrária à saúde do nosso corpo (porque ele não nos pertence), logo, deverá ser proibido fumar, comer gorduras e ter uma vida sedentária.
E não se pense que a alimentação por gastrostomia (como no caso Schiavo) não é uma manutenção artifical da vida. Não fosse a tecnologia da medicina e há muitos anos, teria já sobrevindo a inexorabilidade da morte, num corpo, que apenas consegue manter autonomamente a respiração, os batimentos cardíacos e o equilíbrio homeostático. Reforço... num corpo, porque apenas na forma se assemelha a uma pessoa!

À falta de engenho e arte para fazer melhor, termino uma vez mais com as palavras do Professor: "...tenho horror à hipótese de sobreviver a mim próprio."

Comentários:

Não discuto eutanásias, nem vontades expressas dos humanos. Não consigo desempatar os pratos da balança.
Não posso DE FORMA ALGUMA é concordar com o fim da vida por corte de alimentação e de água.
Escolham outro método, este, mesmo que o corpo não sofra, é indigno do século em que vivemos. Lamento discordar dos conselhos de ética, mas tenho (para além da deles) a minha própria ética, que foi criada ao longo dos anos e começou no berço. Não faria isso a um cão vadio. Aprendi em pequenino que comida e água nunca se nega a ninguém, assim como aprendi a ser carinhoso e humano com os enfermos. O fim da vida deve ser digno, e a dignidade está na forma, que vai para além do sofrimento do corpo ou da mente. Gostava de saber, em termos penais, se a gravidade de matar com um tiro, ou por falta de alimentos e água, têm a mesma pena. E porque é que se fôr à fome e sede tem uma pena maior?  

tss tss medman... nota 0 (zero) "... a confirmar-se isso caso encerrado". Pois, neste caso não houve nada de confirmado, houve apenas um marido que "disse que ela teria dito..." E optou-se por suspender uma necessidade básica de vida - a alimentação - fornecida por gastrostomia percutânea, que é um procedimento banal, e não suspender nehum suorte avnçado de vida. Em minha opinião, entrou-se num caminho mt perigoso: matar uma pessoa baseado numa presunção de vontade própria... abre caminho a quase tudo!
E aconselho-te a ler qq coisa sobre a actividade cerebral de doentes em estado vegetativo prolongado, que era o caso da Schiavo.  

pois, eu digo que sou a favor da eutanasia!

este caso da Terri Schiavo, assumiu contornos estranhos! Deixar de alimentar a mulher (ainda que pelos vistos ela não sentisse)é ideia que não me agrada! mas não estou contra a decisão do marido...o que era aquela mulher desde ha 15 anos?  

Estou de acordo com o jocapoga! Mais valia um tiro nos cornos!!!!!!  

tanto radicalismo, um sou a favor da eutanasia , mas , muitas vezes o problema reside no disse que disse, que tal deixarem um documento legal , feito de consciencia , para se houver um problema , mas de facto nao quero morrer de fome e sede , escolho outra , Jocapoga estou consigo ... antes um tiro ...  

jocapoga: acho indigno é prolongarmos a "sobrevivência" de um corpo que há muito deixou de viver. O grupo de médicos que a segue, há muito que deixou claro que ela estava inconsciente, sem actividade no EEG e sem qualquer esperança de qualquer recuperação.
Se quanto à forma, concordo que a morte por falta de água não é muito digna, no conteúdo concordo com o Francisco, porque isso não é mais do que deixar seguir o curso natural da doença. Qual a diferença de "dignidade" na morte daquele corpo, sendo ela agora por falta de "alimento" ou daqui a uns anos por "exaustão".

Gasel - presumo que nós que estamos de fora, não sejamos mais iluminados do que os médicos, juízes e advogados que analisam este caso há quase 10 anos. Se todos os tribunais aceitaram que seria esta a sua vontade, quem somos nós (que não conhecemos o caso) para dizer que isso é mentira? Temos que aceitar que mais importante do que o tempo de sobrevida de um corpo é o tempo e a qualidade de vida da pessoa como um todo. O tempo da medicina paternalista já lá vai... actualmente os médicos são apenas uma parte da equação e o tempo de fazer de "deus" e decidir pelo doente que ainda não seria esta a hora da sua morte também já lá vai.
A suspensão da alimentação por gastrostomia é a suspensão de um suporte avançado de vida... o suporte avançado de vida não é só o ventilador e as aminas. Se o procedimento é banal e de simples execução isso deve-se ao desenvolvimento da Medicina.
Quanto à actividade cerebral em doentes em EVP, que queres que eu descubra? Que eles podem ter actividade cerebral? Podem, mas em nenhum caso após os primeiros meses se verificou recuperação da consciência. Que não há nenhum caso descrito em que haja actividade cerebral capaz de estabelecer ligações associativas e assim ter um mínimo de consciência? Que as conexões entre córtex distintos estão perdidas? Ou que os centros biológicos básicos estão desligados da actividade cortical? Que por vezes sentem a dor, mas não a percebem?

Já agora, não estaríamos aqui hoje a falar deste caso, se há uns anos, quando a Terri Schiavo teve uma septicemia, tivesse sido respeitada a sua vontade e não tivesse sido tratada. Talvez se isso tivesse logo sido feito, hoje não discutíamos a "falta de dignidade" de morrer à fome.
Para mim, falta de dignidade é poderem fazer com o corpo que nos sobrevive, aquilo que nós não gostaríamos que fosse feito.

Já agora, também te aconselho a ler os artigos do New England acerca deste caso... Ainda não foram publicados, mas já os encontras na Medline e no NEJM online.  

Ora bem...
Não conheço o caso a fundo, e até posso estar enganado, mas julgo que outros tribunais já tiveram decisões opostas no passado. E que até algins juízes mudaram o seu “sentido” de voto. E se eu não sou iluminado, também o não são os juizes que tomaram esta decisão. E eles, podem estar errados. E foram eles que fizeram o papel de Deus ao decidir a morte da Terri.

Quanto à actividade cerebral. No fundo é que tu transmites: sabemos muito pouco. É claro que eu sei que estes doentes “nunca”recuperam a consciência (poderemos falar de consciência?) mas uma coisa podes admitir, é alguma forma de vida: existem variações da actividade cerebral, existe ritmo sono-vigilia, etc, Quem somos nós para decidir que esta forma de vida não presta? Um autista profundo não presta? Se deixar de deglutir, não o alimentas?
E a PEG é exactamente o mesmo que uma SNG. É uma forma de alimentar pessoas que não deglutem, como milhares de velhinhos pós-AVC. Se achas que isso é suporte avançado de vida, ok!

E obrigado pela dica sobre os artigos :)  

Já agora, vai aos dias que voam e lê o último post do ABS. Está mt bom.  

Concordo consigo Medman. Abatam-me por favor que eu renego a vida assim. É preciso deixar papel escrito Gasel, para não se ter nota zero por haver quem concorde com o não prolongamento? Então eu deixarei, que já me habituei a burocracias "caseiras"  

Gasel: já fui e já li... e também o "resto" da discussão.

E afinal, parece que estamos todos de acordo! A Terri estava a viver uma não-vida e foi tomada a decisão mais sensata...  

Para finalizar:
Revendo e ponderando tudo, não dou nota 0 ao medman, dou um 10... ou até um 13! :)
E só porque não é nada tão simples como ele parece fazer crer ao dizer "A confirmar-se tudo isto... caso encerrado!" Este caso levanta problemas complexos quer no campo legal, quer no campo médico: Legais pois o próprio caso o demonstra, ao levar este tempo todo até ter a decisão "definitiva". Médicos, como estão bem patentes no documento da Comissão para a ética portuguesa: o EVP levanta questões éticas e cientificas para as quais ainda não temos uma resposta adequada.
E... talvez, sim só talvez, tenha sido tomada a decisão mais sensata!  

que generoso...é sempre um incentivo alguém saber que é um bom pequeno...  

Ora, nós na medicina é q estamos mal habituados!  

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