domingo, fevereiro 27, 2005
Decisões no final da vida
Recentemente referi aqui a decisão do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, acerca da paragem de tratamentos de suporte (hidratação e alimentação) a doentes em Estado Vegetativo Persistente. Essa decisão, vem no sentido (conforme já existia noutros países), de permitir respeitar a vontade prévia do doente (directamente ou através dos seus familiares próximos). Assim, é permitido ao doente, expressar a sua vontade de não ver prolongada a sua vida de forma artificial. Também recentemente o Vaticano exprimiu a sua opinião:
[...]recently the Pope proclaimed that feeding tubes should never be withdrawn
from any patient and that health-care providers are morally obligated to provide
nutrition and hydration regardless of a patient's wishes. [...]
Segundo o Papa, a qualquer doente, independentemente da sua vontade devem ser administrados alimentação e hidratação (por sonda nasogástrica ou endovenosa, obrigatoriamente, nos casos de doentes em EVP), por considerar que em nenhum momento, estes doentes em estado vegetativo deixam de ser humanos e que portanto, é um crime deixá-los morrer.
Independentemente das opções religiosas, convém reflectir acerca deste assunto.
Em primeiro lugar, isto não é eutanásia. A eutanásia implica uma acção directa para causar a morte a alguém, por sua vontade. Existe um outro termo para designar exactamente o contrário - distanásia. A distanásia, ou obstinação terapêutica, consiste em tentar, por todos os meios ao alcance, prolongar a vida (e tantas vezes o sofrimento) ao doente (mesmo contra sua vontade), perante a evidência de uma morte inevitável.
Nesta questão, implica perceber que deixar morrer não é o mesmo que matar. Enquanto que a recusa de tratamento por parte do doente (e isto nunca deverá ser decidido pelo médico, mas apenas pelo doente, ou seus familiares próximos) implica apenas a aceitação de um curso inexorável de uma doença, a eutanásia implica um acto positivo que provoque directamente a morte a pedido.
Há muito que é reconhecido aos doentes a possibilidade de recusa do tratamento proposto (execução de uma cirurgia life-saving, transfusão sanguínea ou outras), cujas consequências podem resultar na morte do doente. Também há muito que as sociedades debatem sobre a propriedade da eutanásia, ou da possibilidade de os doentes, perante sofrimento insuportável, pedem "ajuda para morrer" e pôr fim ao sofrimento. Este caso, é uma alteração subtil a esta problemática: é a questão de negar tratamentos de suporte, considerados básicos (já nem sequer se discute a questão de "desligar o ventilador") pela Medicina moderna. Basicamente consiste em não alimentar ou hidratar artificialmente, doentes que não o conseguem fazer pelos seus próprios meios. Não se trata de não-ressuscitar, de não ter atitudes invasivas, mas simplesmente de deixar morrer.
Desde sempre que a Medicina lida mal com os seus insucessos. A Medicina Ocidental, desenvolveu-se no pressuposto de que se deveria tratar todas as doenças e que se deveriam tentar tratar todos os doentes. Contudo, durante o século XX, com o aumento da consciência dos doentes (essencialmente nos países anglo-saxónicos), foi dado ao doente o primado da escolha sobre o seu tratamento - o princípio da autonomia. Segundo esta regra bioética, o doente é quem tem a última palavra relativamente ao seu tratamento e aos procedimentos sob os quais está disposto a submeter-se. E isto, na minha opinião, implica também que se aceite a vontade do doente de não ver a sua vida prolongada artificialmente, de lhe dar dignidade na hora da morte e de permitir que viva a morte de forma natural, sem estar dependente de máquinas, tubos e medicação - se fôr essa a sua vontade!
Sempre que existirem evidências de que a vontade expressa do doente seria a de não ver a sua vida prolongada, essa vontade deve ser respeitada. Mais, penso que deverá também ser evitada a distanásia, a obstinação terapêutica e que todos nós (médicos e sociedade), devemos aprender a lidar com os insucessos da medicina e com a inexorabilidade da morte.
Como diria Hipócrates: Cura o que puderes, alivia o que não puderes curar e consola o que não puderes aliviar. A isto apenas acrescentaria: Respeita a vontade do teu doente e nunca provoques sofrimento inconsequente.
Quanto à eutanásia... fica para a próxima...