sábado, janeiro 15, 2005

Mais uma vez, A CULPA É do médico

Podemos ler no Público que a Inspecção Geral de Saúde, está a investigar os "atestados falsos" dos concursos dos professores e promete já sanções implacáveis para os médicos, indo mesmo até à "expulsão da função pública".
Obviamente que A CULPA É do médico, esse ser ignóbil e mentiroso, que em troca do dinheiro da consulta (pelo trabalho que está a efectuar), ou mesmo em troca do facto de não ser insultado no Centro de Saúde, de ânimo leve atesta uma doença por SUA HONRA. A culpa não é dos milhares de professores, que PEDIRAM esses falsos atestados. Se em alguns casos, os médicos têm obrigação de distinguir entre um pedido correcto e um fraudulento, os "requisitantes" dos atestados sabem SEMPRE quando isso corresponde ou não à verdade.

Longe de mim defender os profissionais médicos que, de facto, passaram atestados médicos falsos. Em todas as circunstâncias em que isso se prove, devem ser condenados pelas entidades competentes. Mas, ainda alguém me há-de um dia explicar, como se comprova clinicamente uma dor (entidade subjectiva percepcionada pelo doente) de costas, uma dispneia (sensação subjectiva de "falta de ar"), ou uma depressão. Existe toda uma série de entidades clínicas, cujo diagnóstico depende não daquilo que demonstram os exames auxiliares de diagnóstico, mas sim da avaliação clínica. E esta avaliação clínica tem de ser baseada naquilo que o doente diz, e na presunção de que o doente fala verdade. Nenhuma "junta médica" pode provar que uma pessoa não tem uma Depressão, ou uma perturbação da Ansiedade, ou mesmo uma Lombalgia.
Uma coisa é o médico, tendo consciência de que a pessoa que tem à sua frente não tem qualquer problema, ateste a sua doença. Outra coisa bem diferente é o médico, atestar a doença, baseado nas queixas que a pessoa lhe apresenta. O primeiro caso, encerra uma fraude em si mesmo. O segundo, dependendo da "história" apresentada, representa no máximo um "desleixo" ou "ingenuidade".

Ou seja, o próprio sistema de "atestados médicos" (ainda para mais, requeridos para tudo e mais alguma coisa, conforme já foi aqui apresentado - mas isso é outra história) encerra em si mesmo um enviezamento potencialmente fatal: o médico, atesta por sua honra, algo do qual na verdade, não pode ter absoluta certeza. Desta forma, a responsabilidade pelo atestado tem de se diluir entre o médico e o doente, pelo que será praticamente impossível provar a fraude e atribuir a culpa: o médico atestou sabendo que a doença não existia (e aí a culpa é dele) ou atestou porque acreditava que a doença existia e foi enganado pelo doente (e aí a culpa é deste)?

Talvez seja altura de repensar todo o sistema de atestados de doença. Uma sugestão apenas: quem atesta a doença é o próprio doente, ficando reservado para o médico o papel de relatar as doenças ou suas consequências, com base em factos objectivos - tem ou não hipertensão, tem ou não uma pneumonia, tem ou não uma neoplasia, etc... Desta forma pelo menos, a haver fraude, ficamos a saber verdadeiramente de quem é a culpa.

Para já, aposto que nada se vai provar - nem contra os médicos, nem contra os professores (sendo que estes, mesmo não sendo totalmente responsáveis, têm pelo menos o estatuto de cúmplices nos atestados fraudulentos) e temo que mais uma vez a CULPA vai morrer solteira...


Comentários:

Talvez se pudesse mudar o título deste blog. Em vez de "A culpa é do médico" talvez fosse mais correcto chamar-se "A culpa nunca é do médico".  

Caro Luís Aguiar-Conraria,

Esta história faz-me lembrar o "caso Melancia", em que há corrompidos sem haver corruptores!!!
Haja bom-senso e que se punam os culpados (os médicos fraudulentos também, mas que não sejam só estes a pagar!)  
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