quinta-feira, maio 12, 2005

Destroços de um sonho traído

Este pequeno excerto de um conto de Fernando Namora, inscrito nos "Retalhos da Vida de Um Médico", é dedicado a todos os meus amigos IG's em vias de extinção:
[...]
Depois, cada um de nós, já médicos, seguiu o seu caminho. Os fios que nos tinham apertado num mesmo novelo de fraternidade iam-se deslaçando, descosendo. Entrávamos no redemoinho da vida. As armas, agora, eram tremendamente individuais. Quando se encontrava, a maioria das vezes por acaso, um antigo companheiro, no seu rosto deformado por novos interesses, por novos ambientes, debalde tentávamos recuperar as feições que nos diziam respeito. A vida, por outro lado, não perdera tempo a fazer a sua escoha: erguera uns ao galarim de vencedores, afinara-lhes a gula e o faro por certos privilégios de casta, enquanto deixara cair os outros na vala comum da mediocridade, onde a luta se reduzia ao pobre instinto de sobrevivência. O tempo não parava e na sua marcha, era um cilindro a triturar-nos a espontaneidade confiada e generosa dos anos da Faculdade. Em vão nos esforçávamos por sustê-lo, por recuar. Quantos de nós saberiam ainda fazer um apelo ao convívio saudável desses anos, quantos se amarguravam ainda de que a outra face da vida fosse tão degenerada? A competição em alarme, a ânsia de chegar depressa, o contágio dos que nos impunham sujas regras do jogo vestiam-nos de desconfiança. Éramos, quase todos, destroços de um sonho traído.
De um modo geral, na corrida para o triunfo, partiam à frente os que iam ocupar situções já apadrinhadas, os ricos, os de famílias influentes; na sua esteira ou, quando calhava, ultrapassando-os alguns que, entre os mais dotados, sabiam desbravar, com fulgor e pertinácia, a selva das oportunidades. Havia surpresas: nem sempre os que os mestres tinham distinguido confirmavam, na vida prática, a vocação. Por detrás de cada profissional estava o homem. E, neles, era o homem que falhara.[...]

Tirem um pouco os olhos do Harrison's e reflictam... a vida dos nossos doentes está nas nossas mãos. E não deixem que seja o homem a falhar...

Comentários:

Até parece que o F Namora é interno, ou, quem disse ques esta geração isto e aqule aquilo?  

Já li há anos este livro.
Este pedaço de texto de facto, só pode sensibilzar, quem já passou por todas as etapas, ou tomou conhecimento, ao longo da vida, de coisas mais ou menos importantes que aconteceram a médicos nossos amigos ou conhecidos.
Não percebi o comentário do jocapoga, também com um nome daqueles, parece evocar, a pressa de viver, ou comentar, digo-o sem ofensa...
Há um pensamento do Prof Lobo Antunes, que diz, que o melhor aliado do médico, deve ser, " o medo de falhar..."; ou seja "Semper Paratus".  

Este pequeno texto do FN continua actual. Eu, que já tenho alguns anos disto, sei do que ele fala.
Frequentemente, não posso deixar de sorrir um pouco quando leio este e outros blogs de jovens internos. Sorrio de quê?... não sei, se calhar de mim mesmo.  

Nem sei bem porque vim comentar, pois não sou médica, nem li o livro, e talvez nem entenda aquilo que aqui se fala, pois eu sou apenas uma sonhadora, que sempre desejou seguir esta mesma carreira... São aqueles sonhos que vêm connosco desde crianças, e que nos fazem lutar para os realizar... Contudo, ao ler este excerto, vi-me um pouco naquelas palavras... Também eu me vejo agora a ficar para trás, a ver todos os outros passarem por mim, a seguirem o caminho do (meu) sonho... Tudo porque não fui "abençoada" com aquilo que apenas interessa: os números, as médias... Talvez exista apenas apenas a vocação de que o texto fala, mas não tenho a oportunidade para me certificar se essa vocação existe ou não...
Como médico, qual a cura para este sonho que, de repende, se tornou num pesadelo?

(apenas um desabafo... obrigada... acredito que os médicos também têm de ouvir muitos...)  
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